terça-feira, 22 de julho de 2008

Comentários de Sandra Barroso às canções infantis de Sérgio Azevedo

Breves comentários aos ciclos de canções infantis para canto e piano de Sérgio Azevedo

A importância do canto na formação musical da criança, assumida pelas principais correntes da pedagogia musical moderna, e o interesse do contacto da criança com música variada de qualidade, faz do repertório vocal infantil um recurso precioso para todos os que se dedicam ao ensino da música aos mais pequenos. Vários foram os compositores portugueses a mostrar esta preocupação – Fernando Lopes-Graça, Fernando Corrêa de Oliveira, Cândido Lima, Eurico Carrapatoso ou Fernando Lapa, entre outros – ao dedicarem obras às crianças enquanto executantes, nomeadamente canções para canto e piano. A presente edição dos ciclos de canções para coro infantil e piano, compostos até 2008 por Sérgio Azevedo, representa um importantíssimo contributo para o enriquecimento da literatura musical para a infância em Portugal, constituindo-se também como um recurso musical precioso para os educadores no que respeita à formação vocal, musical, técnica e artística das nossas crianças, no contexto de aulas de Iniciação e de Formação Musical. Destinadas a serem cantadas por coros infantis e juvenis, as canções variam entre canções muito simples, acessíveis a crianças a partir dos 6, 7 anos de idade, como é o caso das Duas Canções Infantis ou das Cinco Canções Simples, até canções mais complexas, implicando por vezes polifonia a duas e três vozes, que se adequará melhor a executantes a partir dos 12, 13 anos de idade, como é o caso de algumas canções pertencentes à 2ª série do ciclo Aquela Nuvem e Outras e das Três Canções Infantis de Sidónio Muralha. Em todos os casos, no contexto da faixa etária e nível a que se destinam, oferecem à criança um desafio, pela rejeição do óbvio e a apresentação de materiais musicais diferentes daqueles que encontra na música a que habitualmente tem acesso. Numa linguagem musical marcada por diversas influências sintetizadas numa expressão original, Sérgio Azevedo revela nestes ciclos as suas raízes musicais, oriundas de Prokofiev, Lutoslawski, Szymanowski ou Lopes-Graça, fazendo ainda referências à música tradicional portuguesa, polaca, checa, morava, e latino-americana (sendo precisamente a atenção dada ao folclore o elemento que une este grupo de compositores), e aproximando-se de géneros como o rock ou o jazz. O resultado, sendo essencialmente tonal e modal, joga com flutuações modais, modulações súbitas, cromatismos livres e irregularidades rítmicas. O compositor recorre ainda à citação de obras de Chostakovich, Prokofiev e Janáček em algumas das canções, procedimento original na escrita de música para a infância, e fá-lo, não com a pretensão da identificação dos temas por parte da criança, mas assumindo o procedimento como uma brincadeira que se destina ao ouvinte adulto. Verifica-se igualmente nestes ciclos vocais uma criteriosa escolha (e respectivo tratamento musical) dos textos, que provêm de autores tão significativos como Sidónio Muralha, Eugénio de Andrade, Vinicius de Moraes ou Fernando Pessoa, entre outros, e ainda o cuidado na escrita daqueles que são da autoria do próprio compositor. A temática central na maioria dos ciclos relaciona-se com animais (Cantigas de Bichos, Canções com Insectos lá Dentro, Insectário, Canções Zoo(i)lógicas, Bichos de Arrepiar!…) revelando o carinho que por eles nutre Sérgio Azevedo, assim como o conhecimento do interesse das crianças por todos os bichos, do mais comum ao mais exótico, espelhado na literatura infantil onde esta temática ocupou ao longo dos tempos – e ocupa ainda hoje – um lugar importante. Nestes textos os bichos encarnam em simultâneo características humanas e qualidades próprias da sua condição animal, numa leitura lúdica, humorística e simultaneamente educativa, pela observação das características de cada um em termos de comportamento, origem, alimentação ou aspecto. As ilustrações de Joana Raposo (a quem são dedicadas estas canções) criadas a partir de fotografias dos animais, complementam a informação, podendo funcionar como um apoio à compreensão de determinadas características musicais (andamento, motivos melódicos, texturas, ambientes sonoros) e à compreensão do texto literário (o humor de algumas cenas, humor que é apreendido sobretudo pelo conhecimento das características físicas e comportamentais do animal).

Professora Sandra Barroso (Escola Superior de Música de Lisboa)